Ciclo de direcionamento da tecnologia.
Comunidades não estão na mesa de tomada de decisões.

No decorrer dos últimos anos, observamos um crescimento do movimento multissetorial para criar tecnologias e políticas de tecnologias centradas na comunidade, movimento este composto por grupos que incluem comunidades impactadas, como Coalizão para a Equidade Tecnológica, Mijente, Athena (específica para a Amazon), trabalhadores de tecnologia, ativistas das mudanças climáticas e movimentos antitruste.

Em Seattle, construímos o que chamamos de Coalizão para a Equidade Tecnológica, composta por organizações que representam comunidades historicamente marginalizadas que têm sido impactadas pela vigilância, tais como imigrantes, minorias religiosas e pessoas de cor. Esse grupo muito diverso de pessoas trabalha para impulsionar a tecnologia, a fim de que esta seja mais responsável com eles.

Uma parte-chave deste trabalho da Coalizão para a Equidade Tecnológica tem sido defender e implementar leis de vigilância, como o Decreto de Vigilância de Seattle. Essa é uma lei inédita nos EUA, que trata sobre requerer supervisão pública para o uso de tecnologias de vigilância pelo governo. Esta lei foi aprovada pela primeira vez em 2013, mas sofria de uma definição excessivamente ampla de tecnologia de vigilância, isenções exageradas e um fraco mecanismo de aplicação que não responsabilizava as agências pelo cumprimento da lei. A lei foi alterada em 2017 e 2018 para retificar esses problemas e criar um grupo de trabalho consultivo focado na comunidade, encarregado de fornecer avaliações do impacto das diferentes tecnologias sobre a privacidade e as liberdades civis.

Essa lei pretendia ser um veículo para permitir que as comunidades influenciem diretamente as tecnologias de vigilância, em vez de estas tecnologias acontecerem contra elas. O Decreto de Vigilância de Seattle é um veículo não somente para o engajamento da comunidade e sua capacitação, mas também para educação e engajamento dos legisladores com as comunidades.

No diagrama da página seguinte temos um pequeno pano-rama de como a lei opera na teoria: toda agência utilizando tecnologia de vigilância em Seattle deve escrever um Relatório de Impacto de Vigilância (RIV) detalhando como a tecnologia é usada e apresentá-la ao público. O público então tem a oportunidade de comentar essa tecnologia. Esses comentários públicos são compilados, e o Grupo de Trabalho Consultivo Comunitário tem a oportunidade de revisar esses comentários e fazer recomendações finais à Câmara Municipal, visto que são os legisladores que decidem quais leis são aprovadas em Seattle.

Atualmente, estamos no processo de implementação e já revisamos pouco mais da metade das tecnologias na lista principal. Algumas das tecnologias que revisamos incluem o sistema Coplogic e o Reconhecimento Automático de Placas de Carro (Automated License Plate Reader System – ALPR), do Departamento de Polícia de Seattle, bem como o sistema de sensor Acyclica do Departamento de Transporte de Seattle. Tivemos muitos sucessos e desafios. 

Um sucesso do Decreto tem sido nossa habilidade de aprender muitas informações novas sobre tecnologias de vigilância em uso nas agências governamentais. Tivemos a chance de observar quais tecnologias existem e de avaliar as implicações de seu uso na privacidade e nas liberdades civis. Esta transparência é parte integral da construção da responsabilidade. Uma das tecnologias sobre as quais aprendemos muito é a Acyclica, um sensor utilizado pelo Departamento de Transportes de Seattle. Por exemplo, notamos que o Departamento de Transporte de Seattle não tratou de importantes questões sobre o Acyclica no Relatório de Impacto de Vigilância, como interrogações em torno da propriedade e retenção de dados.

Mas um desafio é que até agora não houve uma oportunidade de realmente dizer “não” a uma tecnologia, mesmo que sejamos capazes de fornecer recomendações.

Além do mais, transparência não é responsabilidade, e temos tido que lidar com toda a logística de engajamento em torno do Decreto, incluindo recursos comunitários limitados, políticos não cooperativos, tecnologias e relatórios complicados e um processo bastante lento.

Um outro exemplo de trabalho com o qual a Coalizão para a Equidade Tecnológica tem se engajado são as leis de abrangência estadual, como um projeto de lei de vigilância facial, que é uma lei estadual de Washington que estamos atualmente a impulsionar. No ano passado ajudamos a introduzir essa lei na nossa legislatura, como um esforço para frear o uso de tecnologias de reconhecimento facial racialmente enviesadas, imprecisas e profundamente falhas. Nosso objetivo é fornecer às comunidades impactadas a real chance de dizer “não” – decidir se, e não somente como, a tecnologia deveria ser usada.

Para fazer esse trabalho de construir poder dentro das comunidades para advogar por políticas de tecnologia que são cabíveis a elas, colaboramos em projetos de capacitação comunitária com a Coalizão para a Equidade Tecnológica. Esses projetos são destinados a complementar o conhecimento existente que comunidades impactadas já têm a oferecer, pois, conforme salientei anteriormente, a tecnologia sempre impactou essas comunidades.

Projetos de capacitação comunitária
O primeiro projeto de capacitação comunitária é o Algorithmic Equity Toolkit [Kit de ferramentas de equidade algorítmica], que procura auxiliar pessoas a identificarem facilmente e fazerem importantes perguntas sobre sistemas de decisão baseados em inteligência artificial. Colaboramos com o Critical Platform Studies Group [Grupo de estudos críticos de plataforma] para construir uma versão inicial do kit de ferramentas.

Um componente do Algorithmic Equity Toolkit [Kit de ferramentas de equidade algorítmica].

Fonte: Algorithmic Equity Toolkit, disponível em: https://aekit.pubpub.org/

O segundo projeto de capacitação comunitária é um conjunto de ferramentas de oficina de contravigilância no qual estamos colaborando com o coletivo coveillance. Um kit de ferramentas de oficinas de contravigilância foi projetado para ajudar as comunidades a hospedarem suas próprias oficinas e disseminarem informações sobre o ecossistema de vigilância mais amplo. Organizamos duas oficinas-piloto no outono passado e estamos trabalhando com membros da Coalizão para a Equidade Tecnológica para continuar esses pilotos.

Um guia de campo para encontrar tecnologias de vigilância de uma oficina-piloto que aconteceu em Seattle, Washington, EUA.

Fonte: The coveillance collective’s “Field Guide to Spotting Surveillance Infrastructure”, disponível em: https://coveillance.org

Portanto, com esse breve panorama sobre o trabalho que estamos fazendo em Washington para construir políticas de tecnologia centradas na comunidade, vou deixá-los com algumas conclusões:

– As comunidades são realmente as que estão melhor posicionadas para identificar e definir os problemas para a tecnologia resolver;
– As comunidades estão bem conscientes dos impactos das tecnologias, mesmo que não estejam usando linguagem técnica para descrevê-las;
– As histórias de vida e experiências são muito valiosas, e não são apenas valiosas quando você as rotula como dados comunitários;
– As organizações e membros comunitários estão dispostos e ansiosos para liderar.

E vou deixá-los com mais algumas questões-chave para ponderar. Não “essa essa tecnologia é boa ou má?”, mas:

– Para qual propósito estamos construindo essa tecnologia, e com quais regras e valores?
– Quem será impactado? Eles estão nesta sala? Quais outras estruturas de colaboração podemos criar?
– Quem pode dizer “não”?
– Benéfico para quem? Quem define o que é benéfico?

Por fim, minha uma última questão: o que significaria para aqueles com menos poder em conversas sobre tecnologia terem muito mais, ou ainda, terem o maior poder de conceito e implementação no futuro?