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SABELO MHLAMBI
UMA REFLEXÃO PESSOAL
Nota dos editores: Após o evento AT/MI, convidamos um de nossos palestrantes, Sabelo Mhlambi, para escrever uma reflexão crítica sobre o evento em si. Incluímos aqui como uma forma de discutir o potencial da comunidade e da solidariedade neste livro e o processo que o levou a existir.
No início de fevereiro, uma conferência crítica e instigante trouxe um grupo de diversos palestrantes a São Paulo. O objetivo da conferência era criar uma rede de artistas, designers, ativistas e pesquisadores que forneceria narrativas e perspectivas do Sul Global sobre o impacto e o papel da tecnologia – tão necessárias neste momento. Isso contrastava drasticamente com as conversas dominantes no Norte Global. Também foi interessante que os participantes foram incentivados a trazer trabalhos incompletos, trazer ideias pelas quais eram apaixonados. Isso abriu espaço para trabalhos não tão polidos, mas muito promissores, serem compartilhados. Fiz parte dessa conferência e estou feliz por ter participado.
O que mais se destacou no evento foi o espírito de camaradagem e colaboração entre os participantes. Passamos longas horas juntos, comendo, passeando, fazendo brainstormings e prototipando ideias. Senti um espírito de generosidade e abertura. O foco parecia estar, antes de mais nada, em humanizar cada um de nós, nossas perspectivas, e humanizar também as vozes dos mais marginalizados. Durante a conferência, propus uma ideia incompleta que propunha desafiar a falta de representação de pessoas de cor na academia através da criação de uma plataforma para organizar e divulgar acadêmicos sub-representados. Outro projeto desafiou a desumanização dos turkers da Amazon por meio da criação de uma plataforma que permitia aos turkers se conectarem a outros turkers para organizar e fortalecer laços. Havia um projeto visual-artístico de inteligência artificial que desafiava a lacuna de conhecimento entre os efeitos da IA e como ela é criada. Também compartilhamos desafios pessoais e profissionais ao defender políticas de tecnologia.
Sem dúvida, a capacidade de suspender atividades e responsabilidades por um ou três dias, a fim de participar de uma conferência que valha a pena, pode não estar disponível para todos devido a fatores sociais e raciais. No Brasil, onde metade da população é afrodescendente, a representação de quem atendeu à conferência não refletiu a diversidade, em parte devido à privação sistemática de direitos da comunidade afro-brasileira e aos determinantes sociais que impedem os marginalizados de comparecerem a tais eventos. No entanto, dos participantes afro-brasileiros com os quais conversei longamente, com os quais agora estou mantendo contato regular, e do calor geral dos organizadores, saí com boas lembranças, novos amigos e a garantia e esperança de que tal reunião, liderada por um espírito de serviço, comunidade e doação, é o que é necessário para desafiar os atuais efeitos negativos da tecnologia à luz das marginalizações históricas.